sábado, 20 de dezembro de 2014

Geração torcicolo

As crianças cresceram e suas cabeças estão voltadas para baixo. Os olhos vidrados nas telas de um lugar diferente do que estão, um mundo abstrato, incrível e emburrecedor.

Uma estranha definição é feita, aquela de que os que não conversam e interagem são os mais bem sucedidos. Eles fazem parte da sociedade virtual insana.

Assim, nosso papel acabou por ficar extremamente complicado e confuso. O que pode ser definido como absurdo, tolerável, certo, errado, bom, ruim, real ou virtual? O que vai acontecer com a geração torcicolo quando seus manipuladores pararem de ser abusivos, preconceituosos, persuasivos e emburrecedores?

Creio estar equivocada em minha pergunta. O questionamento correto é "O que está acontecendo?"

Ao mesmo tempo que nossos rostos estão virados para a incrível maquina do universo, nossas mentes escolhem ter o que há de pior nele! O que há de mais banal e sucintamente chocante, mas tentador o suficiente para nos fazer expor atrocidades confusas e falsamente verdadeiras.

As crianças cresceram e estão perdidas, sem saber qual o melhor passo a seguir: o da máquina do universo ou o da rejeição social.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

πR²

É um privilégio saber que vou escrever e meus textos serão lidos. Nem que seja apenas uma olhada rápida ou uma leitura mais crítica e profunda, saber que alguns pensamentos organizados em palavras poderão tomar um tempinho da vida que alguém me traz profunda satisfação.

Mas é claro, ainda me aperta o coração o fato de ser uma voz insignificante. Em um momento em que todos falam ao mesmo tempo, ninguém realmente é ouvido. Falar para quê? Escrever para quê? 

Quem sabe minhas verdades, um dia, atinjam uma alma aberta. Quem sabe minha voz influencie algum coração vazio e desamparado. Quem sabe um dia eu pare de falar e ouça as atrocidades que saem das bocas alheias, tão absurdas e tão certas quanto as minhas.

Quando meu pássaro morreu, senti uma dor imensa, porém falsa. Uma dor artificial, uma dor de acordo com os estabelecidos pela civilização. Se há morte, há tristeza e consequentemente há lágrimas. Outros bichos meus de estimação morreram depois, mas nenhum me marcou tanto como meu pássaro tão almejado e tão maltratado... 

A partir daí, tudo se tornou apenas uma amostra de sentimento e de vida. Cada palavra proferida é uma verdade artificial, os suspiros são de desânimo e não mais de amor, as risadas são de nervosismo e não de alegria, o choro é de lágrimas falsas e a vida é de outra pessoa. Uma pessoas que não ouve, que não pensa, que ignora e que fala demais.

domingo, 2 de novembro de 2014

Bunnies

Banana was her business, e encarar os outros sua brincadeira preferida.

Comecei a encarar um homem de meia idade no café perto de casa, e ele periodicamente retribuía o olhar. As pessoas as vezes não sabiam ou não tentavam acertar, mas a umidade em meus olhos não era por causa do vapor do café, mas do tempo seco que fazia dentro de mim.

Acidentalmente, meu peito começou a queimar, meu corpo a tremer, meu rosto a se enrugar e se banhar. Achei que fosse morrer de dor, raiva e tristeza, mas só esperei passar, e como sempre, passou. Passou mas ficou como parte de mim, essa melancolia infinita.

Falar de sentimentos sempre me foi uma tarefa impossível de se realizar, mas explicar a luz e seus reflexos na terra é muito fácil. Fácil até chegar o céu e acabar com tudo, e me puxar com suas nuvens e me derrubar bruscamente no chão... Como se eu fosse uma pedra de cimento, um pedaço de parede arrancado para amenizar a enchente do mundo.

Era muita paz pendente, muito desespero e euforia guardados, se manifestando em mim. E quando eu olhei para os lados, as nandinas e as glicínias me deram uma vontade imensa de ir correndo para o Japão.

domingo, 7 de setembro de 2014

Como Freud acabou com a minha vida

É difícil pensar que antes de tudo. Antes de amigo, pai, irmão, marido, namorado, todos são homens. Puramente homens... Com seus desejos, vivências, manias, instintos, toda essa coisa primária.

"Estudar" Freud só fez então a aumentar minhas frustrações. Palavras machistas e incontestáveis. Palavras que nos reduzem a seres que não são homens. Palavras que criam à nós a "Inveja do pênis." E principalmente palavras que falam sobre o desejo e a satisfação sexual Deles, e como isso envolve a dor e o sofrimento Delas.

São absurdas, sim, mas tente contestar. Simplesmente não dá!

Freud estragou minha vida, que agora se resume em entendê-lo e contesta-lo, e dizer que tudo isso é uma grande mentira, e que meu marido ou meu irmão realmente não sentem prazer ao ver uma mulher gemendo de dor e agonia. Mais do que isso, o mundo inteiro acabou com a minha vida. Pois Freud estava certo afinal, sobre a realidade, uma realidade que eu simplesmente não consigo aceitar.

E tudo isso está me levando à insanidade, à introversão, à instabilidade emocional, à repulsão, à dor de estômago... E tudo isso é minha culpa, culpa de todos nós, humanos errados, errantes e super interessantes.

domingo, 17 de agosto de 2014

A de Agonia

Eu queria ser umas dessas pessoas que são felizes. Que ficam doentes com facilidade e perdem o ar em meio ao pó.

Talvez aquela tenha sido a cena mais triste que meus olhos já tinham visto. Uma pessoa envolta em uma fina manta, com toda a sua vulnerabilidade exposta. Estava nua e com lágrimas no rosto, sentada no chão do banheiro a assoar freneticamente o nariz. Por lá saiam a ansiedade, a tristeza e a vida. O estresse expelia-se por sua pele e a solidão se compactava no peito, junto ao seu punho fechado e os olhos marejados. O frio e a chuva colaboravam com a melancolia que se instaurava naquele lugar.

Não dava para entender muito bem o que acontecia ali. Por que chorava, nem ela mesma sabia. Por que estar nua naquela temperatura só ela sabia. Por que não ligar por seus cabelos embaraçados estarem encharcados por lágrimas? Por que não se importar de estar tão vulnerável? Por que implorar-me tanto a morte?

Abaixei-me e ali fiquei a observa-la. Depois de algum tempo levantou-se e foi até o quarto; deitou-se e ali ficou, olhando para o nada e fazendo cara de paisagem.

As pessoas falavam que o desanimo era falta de carne. Ela dizia que era excesso de vida então. Mas não importava, era o amor.

Foi deixando em carne viva todo seu peito. Sua alma não era mais límpida e cristalina, estava agora suja e despedaçada. Sem esperança, sem felicidade, consumida até os cabelos.

Eu havia visto isso tantas vezes... E tantas vezes isso se tornou cinza. Cinza em ambiente, cinza em cor, em textura, em pensamento, em vida e em sentimento.

E eu vi isso tantas vezes... E tantas vezes o cinza se tornou vermelho, molhado e quente. Tão intenso e tão chocante que parecia até que tinha valido a pena morrer de amor.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Sem tempo para perder com nada

7 pessoas até agora... E já está quase anoitecendo...

Todos os dias as pessoas ligam para saber as horas. Já que o Sol não sai mais, o jeito é controlar o tempo pelo relógio, nós.

- Relógio. Tar...
- Ah, já é de tarde...

Hoje foram apenas 7... A luz não diminui, nem aumenta, mas as pessoas começaram a perceber. Seja pelos olhos pesados, seja pela melancolia. Seja pela ansiedade, seja pela dor nas costas.

Os postes da calçada iluminavam toda a rua, onde estava ela, sentada e balançando freneticamente seu pé. Numa bota preta e pontuda terminava seu corpo magro, e começavam meus olhos. E os dela enxergavam o infinito, como se estivesse vesga, fitando a ponta do nariz.

Meu telefone tocou, e conversamos um tempo inteiro. Não tinha celular, nem ela, mas conversávamos mesmo assim, pela linha do pensamento. Uma crimideia que nos levaria para a tortura, mas felizmente o ano é 2054. Quantos absurdos essa mulher me dizia! O tempo não existia, como assim? Mas não tinham pessoas que viviam dele? E viver de uma coisa que não existe lá pode ser verdade?

Foi como cair num abismo sem fim... E continuo caindo no abismo de meu nome, onde, ao voltar algumas vidas, percebo que nunca se viveu por algo existente. E meus avós viviam de quê? Número em pedaços de plástico. E eu vivo de quê? Eu vivo de tempo? Mas o tempo nem existe, o tempo nada é se não mais números vermelhos em uma caixinha preta.

E continuo caindo... no abismo de meu nome, vendo o tempo passar, as duas botas pontudas dela viradas para números sem sentido, os lábios proferindo palavra ininteligíveis, os olhos fitando o vazio incompreendível e as mão presas no além.

Hoje foram 7. Agora são 00h43. Amanhã serão mais de mil. E eu sou 8.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Até amanhã

Esse negócio de amanhã... Seria melhor se nem existisse. O mundo podia ser um prolongamento infinito dessa noite, a manhã então não seria a falsa esperança de um novo começo.

Amanhã não vai ser melhor, a manhã não virá com esperança, o cantar dos pássaros está só na sua cabeça, menina, te apressando para fazer algo de bom, algo que faça o dia valer a pena, mas qual? Se não há pena nessa tua vida de abonada, o valer não vale nada.

Que bom seria se o dia fosse uma noite sem fim, sem expectativas, sem desespero, sem melancolia, sem dia. Como ser feliz, criança, se nem a esperança foi ferida ainda? Não saberá ser feliz se um dia não for triste. O dia é preciso para decepcionar, talvez até alegrar e surpreender, mas mais do que isso, o dia é preciso para saber sonhar.

domingo, 18 de maio de 2014

A esperança é a primeira que engana

Nem pé de coelho, trevo de quatro folhas, superstições... A cartomante estava equivocada quando previu todas aquelas coisas boas para ela.

Era tão preguiçosa, que nem se esforçava para ser feliz. Falando em ser feliz, será que algum dia você já o foi, ou quis tanto ser que achou que fosse de verdade? Mariana nem acreditava que poderia, mas queria, e quis tanto que até chegou a acreditar nas mentiras daquela mulher.

Tinha marcado paras as duas horas da tarde. Enquanto esperava, a cartomante desceu as escadas da casa e deu uma boa olhada em todas aquelas pessoas desesperançadas e infelizes, imaginando o que dizer para as convencer de que ainda valia a pena viver. "Mariana!" Ela se levantou meio acanhada e seguiu a cartomante, reparando em suas roupas barulhentas. Sentou-se frente a uma mesa pequena e redonda, coberta por uma toalha colorida, pedras e cartas. "Mariana... Um homem muito sério irá aparacer em sua vida... Daqui a uma semana, espere por notícias, não desgrude do celular! Não se preocupe, eu sei que você não o tem, mas irá ser empregada amanhã mesmo, assim terá dinheiro para comprar um. E muito em breve vai se apaixonar... Mas será algo passageiro, logo mais irá descobrir as vantagens de viver sozinha..."

O homem mencionado deveria ser o Samuel, ela sempre soube que não daria certo. Estava destinada a viver sozinha... E isso é uma coisa boa, não? Nem sabia, mas queria acreditar que seria feliz... Uma hora ou outra seria.

Como previu a mulher cheia de badulaques, achou um emprego. Não era um dos melhores, aliás, nem era bom, mas fazer o quê? E passaram-se meses e meses, e a paixão não vinha, mesmo com o celular nas mãos, o coração não atendia a suas expectativas. Será que morreria amargurada sem ao menos experimentar a paixão? Sem experimentar ser feliz? Seria triste por toda sua vida?

Mas que problema tem? Os dias andam tão corridos e atarefados, que ninguém mais sequer consegue sofrer direito. É só apertar o peito que já pensamos em outra coisa. "Preciso fazer algo, preciso conversar com alguém, preciso esquecer isso, preciso ser feliz." Quem disse? 

Não há mais sinceridade com os próprios sentimentos. Quanto tempo faz que ignoramos o fato de querer passar o dia sem sorrir e apenas entregar a alma e os olhos às lágrimas? Não faria mal algum em se emburrar e aceitar que a felicidade não quer mesmo ser vivida. Ou passar o dia dentro de si, envolta em sua profunda melancolia. E quem sabe em meio a tanto sofrimento consiga se achar aquela paixão e um dia voltar aquela vontade de ser feliz e viver novamente? Quem sabe a cartomante não estava mesmo certa? Homens aparecem a todo instante, mas a paixão por uma vida feliz é muito mais séria, e tal equivoco poderá ser superada pelo prazer de amar uma vida em harmonia com a infelicidade.

Estava aí sua sorte: acreditar tanto até conseguir ver felicidade na sua vida cinzenta. A cartomante não estava certa, nem Mariana era mesmo feliz, mas quis tanto ser, que fez de sua imaginação e da esperança dos outros a riqueza da pitonisa mentirosa.

sábado, 19 de abril de 2014

Os lírios perdidos do campo

A terra seca do serrado se fez fatidicamente parte de seu cotidiano. Um ser caído e de calças largas. Seus passos sentiam cada vez menos o calor que emanava do solo craquejado, suas unhas pretas se arrastavam sobre a barba loira e os cabelos oleosos tapavam seus olhos chorosos. Mais perdido que ele só alguém que dissesse viver.

Vivia? Achava que o fazia, mas agora já sabia que perdera-a totalmente tentando ganha-la. Olhai os lírios do campo... Quais lírios? Qual campo? Não via, não podia, mas dizia que o faria, quando fosse digno de enxergar. E já o era mesmo antes de cogitar.

Olhai! Não podia, mas também não ligava, era um sujeito paciente, não gostava de se evidenciar. Ficava no finalzinho, num cantinho com medo de olhar. Mas olhava e se esforçava.

-Não vi. Se vi, perdi.

Viu. Viu? Conseguiu. Achou que eram violetas, mas não o culpemos, quase não podia ver seu próprio pé, quanto mais reconhecer os lírios em meio ao campo. Tanto calor sentiu e seu leque assim sumiu. A beleza dos lírios foi ofuscada pelo incômodo de não mais se acomodar e assim desistiu de olhar. Os lírios perdidos, porém, não deixaram de brilhar, regados pelo suor dos que não paravam de trabalhar.


segunda-feira, 31 de março de 2014

No mundo do seu colo

Eu choro pelo choro
derramado sem por quê.
Eu choro pela amada
que desconhecia quê
a fazia assim chorar.

Eu choro pelo sangue
pulsado no partido
dos sofredores assim
tão apertados, sufocados.

Choro pela mulher
culpada por chorar
violentada no silêncio
obrigada a se calar.

Choro pelo chorar
da ave embalada
dum emplasto endiabrado
sem gozar do seu cantar.

Não de tristeza escorre,
de vergonha rola
na lombada vermelha
e na terra semeia
na primavera um brotar
da revolta de lutar
sem nunca descansar.
Uma causa perdida,
uma esperança cedida
pelas tranças no chão
da menina sofrida
do doente cidadão.

domingo, 23 de março de 2014

Marias

Se eu te disser sobre a Maria, você provavelmente irá me dizer "Mas... Estamos falando da mesma Maria?"

Há tantas Marias!

As Marias vizinhas. Fofoqueiras, cozinheiras, confeiteiras, maloqueiras, caseiras e paqueradoras. Tão normais e felizes! São o Sol de uma rua nublada.

Não se esqueça das Marias mães, irmãs, tias, primas, avós, amigas e filhas. Desde a avó Maria, que você jura fazer a melhor comida do mundo, até a Mariazinha, filha de um João Ninguém.

Falando em Joões... Acho que podemos deixar eles um pouco de lado por aqui, certo?

Voltemos para as Marias. Há aquelas que são até compostas. Maria-gasolina, Maria-chuteira, Maria-sapatão e Maria-mijona. Tão infelizes quanto, tão dos outros quanto.

Tão dos outros... Sofrem, gritam, lutam, choram e se machucam. E coitadas, acham que a culpa é delas mesmas. Então sorriem, aceitam, se calam e abraçam o homem, o mundo.

Tem também as Marias que são Sarah, Gracie, ou até Aoi! E nós que pensávamos que azul era cor de menino!

Tem Marias que são umas Graças! E tem Marias que são doces, de tão moles.

Mas você hem Maria, já foi até Santa, e agora limpa o chão do homem que te maltrata. Aquele homem que te ama, aquele, sabe? Que te sustenta, aquele que disse como você é boba e patética. Aquele que te bate. Lembra? Aquele homem, aquele mundo que te esmaga e reprime.

Maria... Nem sei o que dizer. Você que é todas e uma só. Por que sofre tanto? Será que é o frio? Ou é o medo que te cala?

Grita, Maria! Grita, solta a voz! Sua voz que é de todas nós. Somos todas Marias. Grita o M de Maria, grita o M de Mulher. Grita e traz o Sol de volta pro nosso mundo nublado e chuvoso.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Vida

Qual o maior prazer da vida de um ser humano se não reclamar da mesma?

Há tempos senti uma melancolia incrivelmente forte. Começara em minhas pernas fracas e cansadas, e passou logo para os pulmões. Acabei por esquecer como antes nem os percebia ali. Trabalhavam tão bem! Agora, como se invejassem as estruturas que me mantinham em pé, trabalhavam devagar e preguiçosos.

Acontece que era muito amada, e quando digo muito, quero dizer em demasia, amor que transbordava os limites do bom senso. Era mesmo como uma típica garotinha mimada e temperamental. Mas fazer oque? Fazia assim, e assim tinha que aceitar, me amava! Tão amada fui, que tal sentimento me trouxe ao que sou hoje, melancólica até os cabelos.

Não mentirei, tirava sim proveito de toda atenção. Que mal tinha? Me adorava! Mas tanto amor, tanta atenção, tanto cuidado, tanta preocupação, tanto tudo me irritavam. Comecei a trata-la mal, afinal, se fosse do meu jeito, importaria? Eu era amada!

Quanta melancolia... "Que pessoa em tal condição reclamaria da vida?" você perguntaria. A eterna busca humana não é mesmo o amor? E nem eu poderia dizer que tal exagero me trouxe ao que sou hoje...

Mas se não a tivesse, não reclamaria. A beleza da vida é mesmo esta, reclamar da dona, questiona-la, sobreviver com seu fardo e ama-la. Amar até não restar mais amor por nenhuma parte. Quando a melancolia e o ócio tomarem a alma e os cabelos, quando os pulmões pesarem, quando os olhos secarem e quando o coração se desabilitasse.

Tanta abundancia de um sentimento apenas me pesou tanto, que desisti de carregar tal fardo. Ela tão irritada e desapontada, mais triste que eu, disse que desistiria também. Mas como previsto, o apreço era tanto que não conseguira. Continuou amando, continuei me esquivando e me escondendo na melancolia.

Confesso que a amava também, tanto que quando resolveu partir, tomei de bom grado sua decisão, seria ela enfim livre para o amor próprio. E eu, sem mais do que reclamar, comecei a escrever.

terça-feira, 4 de março de 2014

Nu

Para uns ela era um bolinho com pedaços faltando. Uma frase mal construída. Me recordo de ouvir alguém a definir como um fantasma das dimensões. Mas ela se considerava mesmo apenas feliz.

Luiza estudou comigo a maior parte do colegial, não era bonita, mas sua aparência não era especialmente desagradável. Oque matavam mesmo eram seus olhos. Eram olhos pesados, não transmitiam sentimentos e pareciam ter perdido o brilho da vida. Olhos baixos de peixe morto. E eu a odiava tanto.

Não por sua aparência, mas simplesmente por ser do jeito que era. Como se não estivesse em lugar algum e soubesse de tudo sobre todos os lugares. Os das almas, do mundo, das Américas e dos pensamentos. Aqueles olhos pareciam ler sem tropeço até as linhas mais borradas da nossa vida. E dela nada sabíamos.

Algumas pessoas aceitavam que não a entendiam mesmo, para elas, Luiza era apenas uma garota estranha. Outras nem se davam ao trabalho de olhar. E eu me importava tanto que até achei que fosse amor.

Não tivemos aula numa quarta, pois ela havia sido assassinada. Na TV, o repórter falou "Luíza Moreira de 16 anos foi brutalmente assassinada ontem na porta de sua casa. Sua mãe disse que ela era uma garota feliz e não tinha desavenças com ninguém." Ela era uma garota feliz...

Na semana seguinte foi como se nada tivesse acontecido, e isso me incomodou profundamente. Como não sabiam muito sobre ela, não tinham sobre oque falar.  Mas mesmo assim eu ainda me importava.

No final, tudo oque eu soube daquela garota opaca e reservada é que era feliz, apesar de carregar o fardo dos corações do mundo. E eu carregava-os ao dobro, pois por ela tinha paixão, não era mesmo amor, era profunda fascinação.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Pequenas melodias

Vocês não vão acreditar no que aconteceu!

Eu estava no banho e comecei a ouvir umas vozes, achei que fossem meus pais, então não dei muita atenção. Quando saí do box, ouvi uma melodia no teclado do meu quarto, não uma melodia gravada, mas alguém tocando de verdade! Me enrolei na toalha e fui correndo ver quem era. Meus olhos nunca se questionaram tanto, não sabia se era realidade ou se estava enlouquecendo... Dois duendes!

Estavam com roupas iguais, mas haviam várias diferenças entre eles, como a barba de um e o nariz do outro, ou o tamanho das suas orelhas. O barbudo estava em cima, sentado nos ombros do de nariz estranho, as pernas soltas sobre o tronco e as mãozinhas dançando sobre as teclas. O de baixo não parecia se importar, muito pelo contrário, parecia adorar aquilo tudo, não se via mesmo como um "apoio" mas como o apreciador mais importante daquele concerto.

Fiz de tudo pra não ser notada, a melodia era tão vibrante e emocionante, nem parecia o mesmo teclado que reproduzia músicas minhas com tempos horríveis e notas bagunçadas. Quando terminou, vieram os dois na minha direção enquanto seus corpos ficavam mais e mais transparentes a cada passo até desaparecer na porta. Não sei se me viram ou não, se tocava por mim ou não, mas sei que um dos duendes estava errado. O apreciador mais importante daquele concerto era mesmo o meu teclado.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Sem saída

Quando cheguei, achei super estranho estar tudo escuro, normalmente lá se encontravam minha irmã e o Bob vendo TV ou lendo, mas essa noite, nada. Fui até o quarto da Lívia e achei-a deitada em sua cama, mergulhada em sonhos. Suas bochechas estavam vermelhas e molhadas, tinha chorado, porque eu não sabia, talvez nem ela soubesse, os sentimentos as vezes tomam caminhos estranhos e desconhecidos. 

Esses caminhos... Faziam o coração arder em chamas e nem ao menos davam uma razão pra isso, é uma tremenda ingratidão do nosso corpo. Poxa, a gente trata ele tão bem pra sofrermos incessantemente sem nenhuma explicação. Isso realmente não é justo.

Ah, que vida miserável eu vivo, sempre saindo de casa às seis da manhã, que com esse horário de Verão ainda mal vemos a luz do Sol. Votando só às onze da noite quando minha alma não aguenta mais tanto calor e minhas juntas já quase se desmancharam em suor. Pra quê? Conseguir a vida. Enquanto ela está bem ali, oferecendo-se de graça, nas estrelas que ofuscamos com as luzes da cidade ou no azul das águas ofuscado pelo azul das notas de cem.

Será que não sabemos mesmo por que sofremos tanto? Por que nosso peito arde e sufoca tanto? Claro que sabemos, sempre soubemos. Só queremos evitar entrar mais a fundo nos caminhos que o sentimento escolhe. Caminhos estranhos e sombrios. Os piores caminhos. Caminhos que sabemos de cor mas evitamos fazer sempre, pra evitar que soframos ainda mais.


sábado, 18 de janeiro de 2014

Morreu?

Eu queria morrer! É toda essa coisa de adulto, sabe? Empregos, estudos, jornais. Ah, nem sei mais... Virei fantasma, fantasma sentimental.

Eu queria morrer! E chorei, e gritei, e questionei tanto... Por que tinha que sentir meu coração queimar daquele jeito? O que eu havia feito de errado para manchar minha vida como fiz?

Ah, nem sei mais... Acho que estava morrendo mesmo de tristeza.

Parei. Do nada parei. Aceitei ir com a morte até Deus ou até o Diabo que nos segue. Disse adeus e tudo. Respirei fundo me endireitando e já não sentia mais coisa alguma além de paz e ar. Mesmo assim chorava, mas chorar assim por que não sabia mais.

Foi como se os sentimentos escuros tivessem se esvaído pelas costas. Os escuros e todos os outros. Se foram tão furtivamente que nada mais sentia.

A paz foi tanta que achei realmente ter morrido. E morri mesmo de tristeza. Morri até os cabelos.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Um décimo

"Com licença moça, mas acho que você está com a minha alma"

Eu disse tal tolice, mas claro, eu havia vendido-a, não importava com quem estaria agora.
As vezes acho que estou ficando louca, como se os 10% de alma que ainda me restam dessem sinal de alerta para não querer recuperar mais o resto. 

Começa com uma floresta bem espaçada, árvores, árvores, pedras, árvores, musgo, grama... Não é como se eu andasse e observasse um cenário assim, mas como se fossem apenas imagens passando pela minha cabeça. Pode ser loucura ou apenas vazio, iguais aos espaços entre as árvores, se for vazio é culpa minha, se for loucura... é culpa dos 10%.

É assim mesmo, eles deixam um restinho de alma só pra nos sentirmos patéticos e loucos. Pois é a alma que cuida da parte sentimental certo? Pelo menos foi isso que eu entendi dos filmes. 

Se pensarmos bem, e levarmos em conta a teoria de Jean-Paul Sartre de que a existência precede a essência, posso dizer que acabei com todo o meu ser, ou que apenas um décimo dele era mesmo meu, e esse um décimo está me deixando louca, quando o resto fazia-me sã, porém pesada e discretamente raivosa.

Um dia porém, não foi só a loucura que se manisfestou, assim como ela, vieram medo, tristeza e desespero.
No meio de todas aquelas árvores, daquele vazio, estava a verdade, a certeza universal de que teria um dia, que encarar a face da morte. Foi a primeira vez que chorei desde a venda, chorei como uma criança que construiu ainda pouca coisa de sua essência. É muito errado questionar as ordens do universo? "Não quero morrer, não quero deixar de existir." repeti inúmeras vezes desesperadamente, mas as ordens do universo não iriam mudar, ainda mais se não pedirmos por favor.

Eu tinha uma amiga que imaginava transar com todos os seus professores, não todos de uma vez, um por um, não se importando em ser uma aluna vadia. Mas apenas imaginava, nunca chegou a fazê-lo realmente, não que eu soubesse. Perguntei se não se arrependeria depois por ficar apenas imaginando, e ela disse que tinha ainda muito tempo para imaginar e muito mais para poder realizar, e quando a hora certa chegasse, seria a aluna mais vadia de todas. Seu funeral foi na semana passada. Descobri que ela havia comprado minha alma, e que morrera assassinada pela esposa do seu professor de cálculo.

Só disse isso pra esclarecer a banalidade com que as pessoas tratam a morte. Mesmo vendo isso e vivenciando, meu restinho de alma grita pela imortalidade.

Os 10% ficaram porque tinham que ficar. Eu sei que vou sofrer, mas vou cuidar deles até meu último suspiro, para que tenha valido a pena chorar por todo a minha vida.