quinta-feira, 28 de março de 2013

O cura almas


Ela o viu poucas vezes apenas, mas o "homem do sorriso bonito" como o denominara, ganhou um lugarzinho em seu coração.

O mundo todo estava errado, e encontrava sua verdade na realidade daqueles lábios curvados que combinavam perfeitamente com seus olhos gentis. Viu-o pela primeira vez no fatídico dia absurdamente claro, em que sua cabeça latejava e seu rosto aparentava ter sido várias vezes amassado como uma folha de papel. Trajava roupas velhas, porém novas, uma camiseta que ganhara em seu aniversário há um ano e uma calça que comprara há dois, as últimas peças novas que lembrava possuir. Com tal vestimenta e os olhos semicerrados devido a demasiada claridade, encaminhou-se a farmácia próxima ao seu trabalho e pegou três cartelas de comprimidos para dor de cabeça, ao fazê-lo avistou no penúltimo caixa oque estava predestinado a seus olhos naquele dia, um homem alto, de cabelos pretos bem cortados, olhos gentis e um sorriso lindo, destoava de todas aquelas pessoas rastejantes ao seu redor, inclusive ela.

Como todas as outras pessoas talvez, se sentia inferior, porém dona de todas as verdades do mundo, mas apesar de toda essa negatividade e crise existencial que a tomava por completo, sentia-se especial e privilegiada por cruzar o caminho com uma pessoa como aquela no caixa de uma farmácia, onde além de encontrar conforto à sua dor física, achou também para sua alma descolorida.

"Boa noite" e "Obrigada" foram as palavras ditas pelo homem do sorriso bonito, palavras que ela guardou com grande ternura. Palavras que a consolavam em dias de melancolia, dias em que voltava para casa e chorava baixinho debaixo das cobertas.

Passava de vez em quando perto da farmácia quando ia ao trabalho, e procurava ele com um breve olhar, sem parar de andar. 

Nunca mais se falaram, mas seu romance, que durou uns poucos minutos, ficou gravado no tempo por toda a eternidade.

terça-feira, 5 de março de 2013

Setsuko

Completavam-se vários dias em que se sentia plena, plena por si mesma, como se seus mamilos peculiarmente bonitos fossem o centro de todo o universo.

Em um dia fatídico, mais precisamente numa quarta feira alaranjada e pesada, passou a noite em sua casa bebendo whisky com gelo e lágrimas. E assim sucederam-se vários e vários dias da mesma forma. Bebeu whisky pois fora pega de surpresa pela tristeza, sendo esta a única bebida alcoólica que residia em sua casa, que particularmente detestava o gosto. A cada gole, ia garganta abaixo seu choro orgulhosamente reprimido. 

Seu mundo desabara, seu mundo que era totalmente de outra pessoa, simplesmente desabara como se cai um castelo de cartas com apenas um sopro. Sentia como se seu coração fosse embalado a vácuo, sufocado, apertado, tão apertado que fazia transbordar suas lágrimas sem que o maior esforço possível para reprimi-las surtisse algum efeito.

A possibilidade de suicídio porém nem passara em pensamento. Vivia cada dia normalmente reprimindo o furacão dentro de si, e de noite, engolia a si mesma com vinhos e melancolia. E se sentia bem. Como se o padrão melancólico da sociedade a fizesse extremamente feliz. 

Vivia feliz, sentia-se completa em sua tristeza, como se esta preenchesse o vazio de sua impossibilidade de sentir.