terça-feira, 20 de maio de 2014

Até amanhã

Esse negócio de amanhã... Seria melhor se nem existisse. O mundo podia ser um prolongamento infinito dessa noite, a manhã então não seria a falsa esperança de um novo começo.

Amanhã não vai ser melhor, a manhã não virá com esperança, o cantar dos pássaros está só na sua cabeça, menina, te apressando para fazer algo de bom, algo que faça o dia valer a pena, mas qual? Se não há pena nessa tua vida de abonada, o valer não vale nada.

Que bom seria se o dia fosse uma noite sem fim, sem expectativas, sem desespero, sem melancolia, sem dia. Como ser feliz, criança, se nem a esperança foi ferida ainda? Não saberá ser feliz se um dia não for triste. O dia é preciso para decepcionar, talvez até alegrar e surpreender, mas mais do que isso, o dia é preciso para saber sonhar.

domingo, 18 de maio de 2014

A esperança é a primeira que engana

Nem pé de coelho, trevo de quatro folhas, superstições... A cartomante estava equivocada quando previu todas aquelas coisas boas para ela.

Era tão preguiçosa, que nem se esforçava para ser feliz. Falando em ser feliz, será que algum dia você já o foi, ou quis tanto ser que achou que fosse de verdade? Mariana nem acreditava que poderia, mas queria, e quis tanto que até chegou a acreditar nas mentiras daquela mulher.

Tinha marcado paras as duas horas da tarde. Enquanto esperava, a cartomante desceu as escadas da casa e deu uma boa olhada em todas aquelas pessoas desesperançadas e infelizes, imaginando o que dizer para as convencer de que ainda valia a pena viver. "Mariana!" Ela se levantou meio acanhada e seguiu a cartomante, reparando em suas roupas barulhentas. Sentou-se frente a uma mesa pequena e redonda, coberta por uma toalha colorida, pedras e cartas. "Mariana... Um homem muito sério irá aparacer em sua vida... Daqui a uma semana, espere por notícias, não desgrude do celular! Não se preocupe, eu sei que você não o tem, mas irá ser empregada amanhã mesmo, assim terá dinheiro para comprar um. E muito em breve vai se apaixonar... Mas será algo passageiro, logo mais irá descobrir as vantagens de viver sozinha..."

O homem mencionado deveria ser o Samuel, ela sempre soube que não daria certo. Estava destinada a viver sozinha... E isso é uma coisa boa, não? Nem sabia, mas queria acreditar que seria feliz... Uma hora ou outra seria.

Como previu a mulher cheia de badulaques, achou um emprego. Não era um dos melhores, aliás, nem era bom, mas fazer o quê? E passaram-se meses e meses, e a paixão não vinha, mesmo com o celular nas mãos, o coração não atendia a suas expectativas. Será que morreria amargurada sem ao menos experimentar a paixão? Sem experimentar ser feliz? Seria triste por toda sua vida?

Mas que problema tem? Os dias andam tão corridos e atarefados, que ninguém mais sequer consegue sofrer direito. É só apertar o peito que já pensamos em outra coisa. "Preciso fazer algo, preciso conversar com alguém, preciso esquecer isso, preciso ser feliz." Quem disse? 

Não há mais sinceridade com os próprios sentimentos. Quanto tempo faz que ignoramos o fato de querer passar o dia sem sorrir e apenas entregar a alma e os olhos às lágrimas? Não faria mal algum em se emburrar e aceitar que a felicidade não quer mesmo ser vivida. Ou passar o dia dentro de si, envolta em sua profunda melancolia. E quem sabe em meio a tanto sofrimento consiga se achar aquela paixão e um dia voltar aquela vontade de ser feliz e viver novamente? Quem sabe a cartomante não estava mesmo certa? Homens aparecem a todo instante, mas a paixão por uma vida feliz é muito mais séria, e tal equivoco poderá ser superada pelo prazer de amar uma vida em harmonia com a infelicidade.

Estava aí sua sorte: acreditar tanto até conseguir ver felicidade na sua vida cinzenta. A cartomante não estava certa, nem Mariana era mesmo feliz, mas quis tanto ser, que fez de sua imaginação e da esperança dos outros a riqueza da pitonisa mentirosa.