terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Cegueira

Não estaria sendo presunçoso ao dizer que também era alvo do amor daquela bela mulher. Era evidente que compartilhávamos do mesmo sentimento. Matar seu marido foi mesmo a melhor coisa que fiz em minha vida.

Qual o número exato de pessoas que passam por meu consultório todos os dias? Dez? Doze? Na verdade isso não importa. São todos doentes e patéticos, suas presenças não fazem diferença alguma na minha vida, a não ser pelo dinheiro que eles tem a oferecer. Houve no entanto um paciente em particular que não pude deixar de dar atenção, um velho com problemas nos rins, tão acabado como um pano de chão, devia estar por volta de seus sessenta e poucos anos, aparentando cento e poucos. Mas não é ele o foco principal deste texto, em partes. Sua esposa, quarenta e sete anos, formosa, firme, madura como em sua idade havia de ser, tinha olhos tão mais velhos que o resto de seu corpo... E que corpo, tão mais jovem do que sua idade poderia oferecer.

Voltemos pro velho, que trouxe-me um potinho com urina avermelhada. E que importância e atenção podia dar-lhe eu com sua esposa ao lado? Urina avermelhada, aparência péssima, andar curvado, disse-o então que se tratava de um câncer no rim já muito evoluído, e que uma cirurgia nesse caso não iria adiantar-lhe em nada. Todos deveriam ver o rosto daquele homem, tão apavorado perguntando-me se iria morrer, se não havia algum jeito de retardar esta doença, um rosto tão amedrontado que chegava a dar pena, tanta pena que não podia ser ofuscada pela beleza da mulher ao lado. Pedi-lhe então para fazer alguns exames, que com certeza ele não entenderia os resultados, enquanto dava a mim mesmo tempo para pensar.

Passei o resto do dia e a noite em claro, pensando nos lábios escarlate daquela senhora, senhora...  Senhora sem nome, ora fiquei tão admirado com sua aparência que me passou despercebido o fato de eu não saber seu nome e de não ter proferido nenhuma palavra. Pedi-lhe exames, que ficariam prontos em até uma semana, o que farei? Desejava tão intensamente esta mulher que me fugia o conhecimento do certo e do errado. 

Passando pela porta do meu consultório estava o Sr. Wiggle acompanhado pela Sra. Wiggle. Tamanha era minha vontade de transformá-la na Sra. Churchill que a loucura me veio a mente. Receitei a ele "remédios" caseiros, o qual retardaria o dia de sua morte pelo câncer. E foi nisso que Harold Wiggle acreditou até o dia em que morreu espumando pela boca.

Fui ao enterro, mas só para trazer à minha casa, Lydia, Lydia Churchill que sofria calada os maus tratos do velho carrasco, morto por envenenamento pelo médico cego de amor.


sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Atrasos

Olhos tão pequenos e brilhantes que à primeira vista, chamaram minha atenção. Eram azuis, amarelos, verdes, eram de cor indistinguível, místicos, profundos, tão velhos e astutos. Tão encantadores eram, que não poderia imaginar nunca -nem suportaria fazê-lo- que um dia se fechariam para sempre.

Eis a carta que me deixou:

"Meu amado, peço de antemão desculpas pelos erros ortográficos aqui cometidos, entenda por favor, que minha situação não é das mais favoráveis.

Ao ver-te fixados em meus olhos naquele dia ensolarado de inverno, pus-me a esquecer os pesares de minha vida, e me entregar ao prazer de uma nova paixão. Ocultei-lhe minha doença, e assim juntos, tivemos dias maravilhosos.

Amou-me enquanto eu era bela, e ainda podia andar, falar, escrever... E continuaria a fazê-lo não fosse minha vaidade tamanha que só vinha a aumentar ainda mais minha insegurança perante aos seus sentimentos, e por isso, pedi para que se distanciasse, e inventei que não gostava mais de ti, que meus sentimentos haviam se esgotado, e que estava já a muito cansada, apenas suportando sua presença ao meu lado, quando na verdade, dentro de meu coração, sentia o contrário, totalmente o contrário, a cada dia que se passava, mais forte era meu sentimento por você, e a felicidade que sentia ao te ter ao meu lado era tamanha, que não cabiam em palavras. Oh meu amor, que tola fui. Todo esse tempo distante da paixão de minha vida.

A doença fez cair meus cabelos, minha pele ressecar, meus movimentos ficarem lentos, e minha coordenação piorar. Quem gostaria afinal de ficar com uma pessoa de aparência abatida, que mal consegue andar decentemente sem atrair olhares desgostosos e falar sem dar pausas enormes entre cada palavra? Quem sem nem mesmo ter laços sanguíneos gostaria de ficar com uma pessoa assim? Oh, Tu farias isso por mim? 

Se estiver lendo esta carta, é certo que já estarei morta. Mas meu bem, não se desespere por favor, de nada vai aliviar o aperto em seu coração. Creio que tenha passado um ano desde que nos vimos pela última vez, tempo suficiente para que a enfermidade tomasse conta de mim, e me levasse a óbito.

Escrevo-te para esclarecer tudo oque ocultei tolamente, achando que seria o melhor para nós. E te dizer uma ultima vez que te amo, e esse amor, eu levo comigo durante toda a minha eternidade."

Não podia por em palavras a descrição de tal desespero que senti, mesmo sendo pedido para que não o fizesse, não pude evitar. Minha amada, morta? Quão insuportável isso me soava. Tanto tempo separados, por uma simples vaidade...  Seríamos tão mais felizes se não o tivesse feito, se soubesse que a amaria de qualquer jeito por todos os dias de minha vida, e até após a minha morte. Que tolo fui por não ter lhe dito isso antes, por ter aceitado que não nos víssemos mais...

Fui ao seu túmulo, não querendo acreditar no que via, seu nome no mármore gravado, em baixo, a data de seu nascimento, e de sua morte. Não consigo dizer quantas lágrimas por ti derramei. Digo apenas, que foi, e sempre será o maior amor de minha vida, que me fez ver o mundo com novos olhos, e que agradeço-lhe eternamente por ter compartilhado aquele olhar comigo no memorável dia de inverno, quando o frio tomava conta de meu corpo, quando a esperança e a felicidade de viver já tinham desaparecido de minha alma. Posso confirmar que você fez a minha vida valer a pena.

Te amo, e levarei esse sentimento para sempre em meu coração.