sexta-feira, 29 de abril de 2022

O Peixe

    Não sei bem quando isso começou a acontecer, só sei que um dia indo ao trabalho de ônibus, percebi que um filhote de peixe estava nascendo na ponta do meu dedo anelar direito. Mesmo sabendo que nada havia ali, eu sabia que essa criatura prematura emergia da extremidade do meu corpo, me fazendo sentir de certa forma feliz e transtornada.

    Diversas vezes o tocava e olhava com atenção na espera de que ele saísse dali, mas nada acontecia.

    Tão repentino foi seu surgimento quanto seu desaparecimento, ainda dentro do ônibus ele se foi, deixando um vazio que não estava ali antes, como se eu mesma tivesse fugido dali.

    Vivo bem sem ele, como antes já fazia. Acredito que vivo até melhor após esse acontecimento. Foi como se o filhote de peixe me levasse pra outro lugar, numa outra dimensão, quando eu era mais jovem, onde o tempo passava mais devagar e as questões que me perturbavam eram mais dignas.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Casa

Sentada em minha cama numa noite de Verão, quando o clima da estação nos faz acreditar que nada de ruim pode acontecer, me banhei em lágrimas.
À minha frente, a imagem de uma mulher nua, esguia e perfeita. Sua pele dourada envolve todo seu corpo de forma aveludada e natural, seus ossos se sobressaem abaixo do pescoço, seus lábios são perfeitamente desenhados para falar, rir, cantar, chorar e amar, seu nariz com dois orifícios que nos levam ao mágico universo dos aromas, seus olhos são redondos e brilhantes, tristes e aguados e me encaram também e suas orelhas, dois decifradores de enigmas sonoros.
É perfeita, da cabeça aos pés.
Ainda em lágrimas me coloquei a pensar como nosso corpo feminino já nasce, se desenvolve e vira pó carregado de julgamentos. Somos julgadas pela cor da nossa pele, pelo formato dos nossos seios, pela gordura do nosso corpo, pelos nossos pelos corporais, pelo modo que movimentamos nosso corpo, pelo uso de nosso ventre e pelo nosso modo de pensar e agir.
Como pode meu corpo ser tão do outro quanto meu?
Não pode e não é.
A imagem que vejo no espelho, o corpo que sinto na ponta dos meus dedos, a face pela qual minhas lágrimas escorrem pertence a mim.
É a minha casa, é o meu abrigo e eu a amo.
E ninguém vai derrubá-la.

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Happy New Year!!

Quantas vezes a tristeza profunda e incendiante foi substituída por vazio e insatisfação? Você consegue se lembrar de quantos choros foram sufocados até se perderem naquele espaço escuro da sua cabeça onde se reúnem todos os sentimentos "anormais"? Será que já nos afundamos tanto no cotidiano pútrido a ponto de não sabermos mais sofrer? Quantas vezes tivemos que dizer para nós mesmos que "vai dar tudo certo" até realmente acreditarmos nisso?

Pra falar a verdade, todas essas resoluções de ano novo nunca fizeram menos sentido pra mim quanto hoje. Não sinto mais a esperança de um bom ano, de uma nova oportunidade de fazer as coisas darem certo ou de motivação para continuar tentando.

Pra falar a verdade, neste exato momento eu estou em prantos, desesperada sobre o futuro e não sabendo lidar com esse tempo que não para de andar. Há uma cratera escura e sem fim no meu tronco sugando todas as minhas energias positivas, e ela ri de mim e joga bem na minha cara toda a insegurança que eu tentei esconder por toda a minha vida até hoje.

Não sei quantas foram as vezes que tive que passar por situações como as ditas acima, mas sei que quando percebi que não queria mais isso, que um novo ano poderia acabar com todo o pessimismo e melancolia, quando isso veio a tona eu senti a pior sensação que se pode ter neste momento, a de que eu havia morrido. Finalmente eu pude perceber que estava presa, que não existe essa de "Novo ano, nova pessoa" ou "Novo ano, nova vida". Somos o que somos e fizemos do que vivemos agora a nossa prisão, não se escapa de tamanha tristeza nem de tamanha angústia, assim como não se escapa de momentos incríveis que vivenciamos. Não há saída e o fim é inevitável e certo. Esse peso que você sente nos pulmões, essa vertigem de todos os dias, essa sensação de que cada dia mais a sanidade acaba escapando pelos seus poros, isso não é a vida te apressando, dizendo que nunca nada vai ser bom o suficiente, que não seremos capazes de lidar com o futuro, a velhice e a loucura, isso é você percebendo cada vez mais que é responsável pela própria vida e que nada vai mudar com a sua bunda se afundando nos pelos desse coelho gigante.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

She's lost control

O tédio me trouxe aqui novamente. Não a falta do que fazer, mas a vontade de ter que cumprir com todas as minhas responsabilidades.

Outro dia, enquanto estava dando uma volta no bosque encantado que existe debaixo da minha cama, avistei uma menininha, na verdade uma mulher, tão pequena e frágil que chegava a dar medo. Fui conversar com ela, que parecia um pouco incomodada com a fumaça do meu cigarro e quando cheguei mais perto, percebi que ela era um homem velho. O rosto, o corpo, o jeito de andar eram os de uma frágil mocinha, mas o coração era de velho, as palavras eram de velho e o olhar também. Me assustei, o cigarro caiu da minha boca e formou uma pequena chama na grama sob meus pés na qual apenas dei umas pisadas e apaguei, foi-se como fumaça, pobre chama... A menina, garota, mulher, homem velho, saiu correndo me mostrando o dedo do meio... Fazer o quê? Eu também era um homem velho, um homem velho e drogado.

Foi então que, sozinha em meu quarto sentada na parte mais fria e vazia, eu percebi o quão aquilo era uma besteira gigante! É lógico que aquela menina era um homem velho! Assim como ela podia ser uma garotinha frágil e assim como ela poderia ser uma velha ranzinza. Assim, como eu não aparento ser um velho safado, ela não aparenta ser seja lá o que for, tanto faz a cara, o corpo, o jeito de andar, é tudo fachada.

Não lembro qual foi a última vez que me senti equivocada assim sobre alguém, mas sei que isso não vai acontecer de novo, porque ninguém é ninguém e todo mundo é qualquer um.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

"Desfrutem aí dessa bagunça"

Me posicionei bem em minha cama, coloquei pra tocar a trilha sonora do meu desenho preferido e procurei as palavras certas para colocar aqui. A procura foi porém cansativa e triste, pois pior do que sentir tudo o que sinto é saber que não há palavras que possam transcrever tamanha decepção e tristeza.

Todos os dias me sinto tão imersa nas injustiças do mundo, tão indignada com a vida e os rumos que a mediocridade humana toma. Todos os dias me sinto extremamente triste por não encontrar resquícios reais de amor, honestidade e bondade. Mas sequer consigo me posicionar diante disso. Talvez por medo ou fraqueza, não sei. Só sei que constantemente meus olhos marejam, minha garganta aperta e meu peito queima, e a única coisa que peço é que todos consigam enxergar o quão vis estão sendo. 

Sempre que vou ao médico, tenho um enorme desejo de que ele possa sentir o que eu estou sentindo, pois muitas vezes simplesmente não é possível descrever como é a dor que sentimos, se é como uma pontada, uma pulsação, uma ardência... As vezes só dói de um jeito que não da pra explicar! Ou dizer quando dói mais ou qualquer outra coisa. E qualquer resposta me deixa apreensiva, e se eu caracterizar meus sintomas de um jeito errado e por isso algum câncer maligno não for diagnosticado? E se por isso ele me receitar um remédio errado que agrava mais minha doença?

Eu ia escrever, e antes de apagar toda essa tentativa sem nexo algum,eu... Bom, eu não vou apagar mesmo, então desfrutem aí dessa bagunça.

Blur

Eu só queria minha vida de volta.

Não lembro muito bem, mas creio que a maioria dos textos que escrevo para o blog não estão em primeira pessoa, mas esse aqui é um grito no meio do escuro que eu não podia mais segurar.

Fazem alguns anos que deixei minha vida lá num cantinho frio enquanto vivia uma novinha que era de nós dois. Como já disse, qual a graça da vida se não reclamar da mesma? E com essa não podia ser diferente. Fui vendo-a se despedaçar pouco a pouco, ficar suja e bem machucada, mas ainda gostava dela, gosto na verdade, reclamava sim quase sempre, mas era minha, nossa vida agora. 

Quando criança, tinha um tênis que eu amava demais, estava sempre o calçando, mesmo quando a sola furou no calcanhar e ele já estava bem velhinho continuava usando-o, mas um dia descobri que minha mãe havia jogado o par de tênis no lixo pois estavam gastos demais... Fiquei muito triste mas depois me conformei e entendi, por mais que gostasse daqueles sapatos, usá-los gastos não fazia o menor sentido. Acho que muitas coisas podem ser comparadas a usar um sapato gasto, muitas vezes insisti pra que algo desse certo, apenas porque gostava muito de alguém e havia passado momentos maravilhosos ao lado dessa pessoa, mas assim como qualquer coisa, as relações se desgastam, as pessoas mudam e se distanciam, as ideias começam a divergir e de repente nos vemos caminhando por trilhas diferentes, e de nada adianta conservar um relacionamento aos trapos.

Porém é difícil e doloroso decidir se livrar do par de sapatos preferido, assim como o é se despedir de alguém. A dor da morte e o medo do desconhecido... No momento soluços tomam conta da minha garganta e as lágrimas esquentam o meu rosto, estou morrendo de medo e me derretendo em tristeza, odeio despedidas. Mas não precisa ser mesmo uma, certo? Ninguém sabe bem os sapatos novos que um dia terão, e ninguém sabe bem se não seria melhor apenas trocar as solas do sapato velho. Independente da resolução, sigo com meu luto precipitado.


domingo, 6 de setembro de 2015

Cegueira

O que você vê?

Ando pensando muito enquanto ando de ônibus, e ando andando muito de ônibus. Mas quando ando de ônibus, não estou mesmo o fazendo. Nem mesmo vejo a paisagem que corre através das janelas. O que eu vejo então? O que há de mais para se ver? 

Já vi as estações passarem, pessoas morrendo, casais se amando, dinheiro caindo. Já vi coisas que ninguém mais poderia enxergar, coisas do universo e coisas da imaginação. Momentos tristes, momentos alegres, vi coisas que não gostaria de ver...

Mas ainda há muita coisa para se ver. Ver não apenas com os olhos, ver com a alma, ver sentindo, ver sorrindo, ver chorando e gargalhando. Há tanta coisa no mundo, tantas coisas horríveis e inacreditáveis, tanto medo e tanto amor, tanto ódio e rancor. E ainda consigo ver a luz que reflete esta frágil e gentil face de esperança, dizendo para continuar. Mesmo quando a escuridão nos bloqueia a visão, mesmo sem ver, ela estará lá. E é por isso que eu não me importo com o que vejo. Senti-la, já é o mais que o suficiente.