terça-feira, 4 de março de 2014

Nu

Para uns ela era um bolinho com pedaços faltando. Uma frase mal construída. Me recordo de ouvir alguém a definir como um fantasma das dimensões. Mas ela se considerava mesmo apenas feliz.

Luiza estudou comigo a maior parte do colegial, não era bonita, mas sua aparência não era especialmente desagradável. Oque matavam mesmo eram seus olhos. Eram olhos pesados, não transmitiam sentimentos e pareciam ter perdido o brilho da vida. Olhos baixos de peixe morto. E eu a odiava tanto.

Não por sua aparência, mas simplesmente por ser do jeito que era. Como se não estivesse em lugar algum e soubesse de tudo sobre todos os lugares. Os das almas, do mundo, das Américas e dos pensamentos. Aqueles olhos pareciam ler sem tropeço até as linhas mais borradas da nossa vida. E dela nada sabíamos.

Algumas pessoas aceitavam que não a entendiam mesmo, para elas, Luiza era apenas uma garota estranha. Outras nem se davam ao trabalho de olhar. E eu me importava tanto que até achei que fosse amor.

Não tivemos aula numa quarta, pois ela havia sido assassinada. Na TV, o repórter falou "Luíza Moreira de 16 anos foi brutalmente assassinada ontem na porta de sua casa. Sua mãe disse que ela era uma garota feliz e não tinha desavenças com ninguém." Ela era uma garota feliz...

Na semana seguinte foi como se nada tivesse acontecido, e isso me incomodou profundamente. Como não sabiam muito sobre ela, não tinham sobre oque falar.  Mas mesmo assim eu ainda me importava.

No final, tudo oque eu soube daquela garota opaca e reservada é que era feliz, apesar de carregar o fardo dos corações do mundo. E eu carregava-os ao dobro, pois por ela tinha paixão, não era mesmo amor, era profunda fascinação.

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